Respiração e Performance

Treinamento respiratório

O ato de respirar é um mistério para a maioria das pessoas.

Muitas pessoas acham que a respiração desempenha apenas o papel de transporte e entrega de oxigênio, mas ela tem muitas outras funções além do fornecimento de oxigênio, especialmente durante o exercício intenso.

As pessoas acreditam que ao respirarem mais podem aumentar a quantidade de oxigênio no sangue. Essa crença bem estabelecida é também prevalente entre treinadores e profissionais de educação física.

O erro na lógica está na suposição de que o limite imposto pela respiração é decorrente da falta de oxigênio, e que respirar mais forte pode solucionar isso.

Durante o exercício intenso, o fornecimento de oxigênio se torna um objetivo secundário da respiração. A ênfase do papel da respiração, nesse caso, muda para se livrar do produto resultante do exercício, o dióxido de carbono. Esse papel da respiração é vital para o retardo da fadiga durante o exercício intenso.

Assim como o motor de um carro, os seres humanos usam oxigênio para queimar combustíveis com base de carbono (carboidratos e gorduras), a fim de liberar energia. O produto final dessa reação química é a produção de dióxido de carbono e água.

O oxigênio é utilizado pelas células para liberar energia dos estoques energéticos corporais, e o dióxido de carbono é um dos subprodutos desse processo.

Durante o exercício, a proporção na qual esse processo ocorre deve aumentar, o que significa que a respiração também deve aumentar para manter o ritmo com a demanda. Uma falha nesse aumento resulta em alterações que levam à falta de ar, aumento da percepção de esforço e fadiga prematura.

Por que a respiração não limita o transporte de oxigênio?

O transporte de oxigênio para os músculos ativos envolve quatro etapas:

  1. Ventilação alveolar: entrega de ar atmosférico para o alvéolo (respiração).
  2. Difusão pulmonar: transferência de oxigênio do alvéolo para o capilar sanguíneo.
  3. Transporte pelo sangue: coleta e fornecimento de oxigênio em combinação com o sangue dos pulmões até os músculos.
  4. Difusão tecidual: transferência de oxigênio dos capilares sanguíneos musculares para as células musculares.

Na prática, para pessoas com pulmões saudáveis, que estão ao nível do mar (não na altitude, onde o gradiente de oxigênio é reduzido), os passos 1 e 2 operam com quase 100% de eficiência em relação aos seus objetivos, que é oxigenar o sangue completamente antes que ele deixe os pulmões. Os passos 1 e 2 são os únicos passos do transporte de oxigênio que podem ser influenciados pela respiração. E, pelo fato de o sangue estar quase 100% saturado com oxigênio quando deixa os pulmões, o aumento da respiração não melhora o transporte de oxigênio (a oxigenação do sangue já é quase 100%).

O que acontece com a respiração durante o exercício?

Em repouso, um adulto médio realiza de 10 a 15 respirações por minuto, com um volume aproximado de 0,5 litro, produzindo uma ventilação minuto de 7,5 litros por minuto (15 x 0,5). O volume de cada respiração (volume corrente) depende do tamanho corporal e da taxa metabólica. Pessoas maiores possuem pulmões maiores e respiram mais fundo. Como necessitam de mais energia e oxigênio para dar suporte ao metabolismo, elas naturalmente têm uma maior ventilação minuto.

Durante o exercício intenso, a frequência respiratória aumenta para 40 a 50 respirações por minuto. Em um adulto jovem fisicamente ativo, o volume corrente aumenta para 3 a 4 litros (a ventilação minuto é de 120 a 160 litros por minuto). No entanto, em um atleta olímpico de resistência, o volume corrente pode ultrapassar os 5 litros, resultando em uma ventilação minuto de 250 a 300 litros por minuto.

Os pulmões não respondem ao treinamento!

Os pulmões não são a única parte do sistema que fornece oxigênio e remove dióxido de carbono do corpo. A respiração envolve músculos, e esses músculos são parte de um sistema que se adapta ao treinamento.

Durante o exercício, a frequência e a profundidade da respiração são aumentadas, o que requer que os músculos respiratórios se contraiam de maneira mais forte e rápida. Em todas as intensidades de exercício, a maior parte do trabalho respiratório é realizada pelos músculos inspiratórios, e a expiração é sempre auxiliada de alguma forma pela energia elástica que é armazenada nos pulmões expandidos e na caixa torácica da inspiração anterior.

Estima-se que, durante o exercício máximo, o trabalho dos músculos inspiratórios demanda aproximadamente 16% do oxigênio disponível, o que coloca em perspectiva o quão extenuante a respiração pode ser.

Processo Respiratório

Uma pessoa aumenta o volume corrente ao inspirar ou expirar mais profundamente, e em que ponto uma pessoa começa a respirar de forma mais rápida?

A descrição do controle respiratório é complexa, mas é suficiente dizer que um dos fatores mais importantes que influencia a estratégia de respiração é o conforto, ou, em vez disso, a redução do desconforto.

A Figura 1 ilustra de que forma o volume corrente é alterado à medida que a intensidade do exercício aumenta, colocando-o dentro de subdivisões dos volumes pulmonares.

No início, durante o exercício leve, o volume corrente aumenta porque a pessoa expira de maneira um pouco mais profunda (usando o volume expiratório de reserva), mas esse aumento é rapidamente suplementado como resultado de uma inspiração mais profunda (usando o volume inspiratório de reserva).,

processo respiratório
Fonte: Livro Treinamento Respiratório Para um Desempenho Superior

Por fim, o volume corrente atinge um ponto em que não há aumentos, apesar de uma necessidade contínua de aumento na ventilação minuto.

O aumento na ventilação minuto não representa uma linha reta, ela aumenta rapidamente em tomo de dois terços do trajeto de exercício, praticamente de forma exponencial. Como resultado, a quantidade de respiração necessária em 80% da capacidade máxima não é duas vezes a quantidade necessária à 40% – ao contrário, é de quatro a cinco vezes maior.

Fonte: Livro Treinamento Respiratório Para um Desempenho Superior

O aumento não linear da ventilação minuto é resultado do papel que a respiração desempenha na redução das alterações que ocorrem quando a musculatura locomotora depende mais do metabolismo anaeróbio durante o exercício intenso (i.e., quando excede o limiar de lactato).

Em exercícios de alta intensidade, depende-se mais da frequência respiratória para aumentar a ventilação minuto, pois é muito desconfortável continuar a aumentar o volume corrente. À medida que o volume corrente aumenta, progressivamente há a necessidade de maior força dos músculos inspiratórios para expandir os pulmões. Usando a analogia dos pulmões como balões, os pulmões se tornam mais rígidos e fica mais difícil de expandi-los quando contêm mais ar.

Maior força dos músculos inspiratórios representa mais esforço e maior desconforto respiratório.

Se um maior volume corrente significa mais trabalho da musculatura inspiratória e mais desconforto, por que o volume corrente aumenta? A resposta é que aumentos no volume corrente representam uma estratégia mais eficiente para a troca gasosa, mas isso deve ser equilibrado com o custo mecânico de expansão dos pulmões (o trabalho elástico da respiração).

Por que treinar os músculos respiratórios?

A fadiga dos músculos respiratórios intensifica a sensação de esforço durante o exercício e tem uma grande contribuição na limitação do exercício, aumentando o risco de lesão. Evitar esse tipo de fadiga é, portanto, primordial em termos de melhora do desempenho.

A fadiga dos músculos inspiratórios reduz o fluxo de sangue para os membros, reduzindo assim, o fornecimento de oxigênio e acelerando a fadiga.

Existe pouca informação científica em relação à influência da função do core sobre medidas de desempenho no ciclismo, mas um estudo observou que a fadiga prévia da musculatura do core provocou alterações na mecânica do ciclismo e maior estresse nas articulações do joelho. Os autores do estudo concluíram que isso poderia predispor o ciclista a um risco elevado de lesões por uso excessivo.

A ação estabilizadora do core é muito importante para a produção de potência no ciclismo. Isso é explicado pelo fato de que a estabilização externa do tronco (por exemplo, retirar dos músculos do core a necessidade de estabilização do tronco) reduz significativamente o custo metabólico do ciclismo. O efeito é maior em velocidades de pedalada que induzem maiores forças. Em outras palavras, os ciclistas gastam muita energia estabilizando o tronco para otimizar a produção de potência.

Evidências de ciclistas de elite sugerem que o aspecto mais importante da respiração e sincronia de pedalada é a manutenção de um ritmo estável e a manutenção de uma razão 1:3 (1 respiração para cada 3 pedaladas). Essa razão melhorará a eficiência e o conforto da respiração, mas um ciclista precisa trabalhar na manutenção da razão. A razão pela qual os ciclistas falham na razão 1:2 (adotada muitas vezes em intensidades elevadas) é pelo fato de seus músculos inspiratórios não estarem suficientemente fortes e resistentes à fadiga para manter o volume corrente. É aqui que o treinamento específico dos músculos respiratórios pode ajudar.

Portanto, o treinamento dos músculos respiratórios exerce um papel importante na prevenção de lesões e na manutenção e melhoria da performance.

Em posts futuros continuarei a abordar esse tema sobre respiração e performance.

Pontos chave:

– A limitação não ocorre por falta de oxigênio, mas por não conseguir eliminar mais o dióxido de carbono.

– Respirar mais rápido não aumenta a quantidade de oxigênio.

– Os músculos respiratórios precisam ser treinados. Se esses músculos fadigarem, todo o desempenho ficará comprometido, inclusive aumentando o risco de lesão e comprometimento do padrão de movimento.

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