Performance e VO2máx

Quando pensamos em como melhorar nossa performance em competições de mountain bike ou ciclismo de estrada, precisamos identificar os índices e capacidades físicas que são determinantes para o desempenho ao longo de uma competição. E uma das formas de melhorar a performance é treinando na potência do VO2máx.

Além da técnica, da nutrição esportiva e processos de recuperação, para o atleta conseguir um bom desempenho físico nas competições de MTB XCO e XCM, ele precisa desenvolver no mínimo os índices e capacidades físicas abaixo:

  • Potência anaeróbia;
  • Capacidade anaeróbia;
  • VO2máx (potência aeróbia);
  • Segundo limiar de lactato (LL2) / segundo limiar ventilatório (LV2) / máxima fase estável de lactato (MFEL) / potência crítica (PC) / limiar funcional de potência (FTP – functional threshold power);
  • Economia;
  • Força (que pode proporcionar ganhos positivos em todos os índices acima)

A figura abaixo (figura 1) é uma representação das faixas de intensidade para o desenvolvimento destes índices e capacidades com base na potência aeróbia máxima e na frequência cardíaca máxima

representação das faixas de intensidade para o desenvolvimento destes índices e capacidades com base na potência aeróbia máxima (PAM) e na frequência cardíaca máxima
Figura 1 – Índices e Capacidades a serem desenvolvidas para um bom desempenho.

Estes índices e capacidades são identificados a partir de avaliações físicas adequadas e seu desenvolvimento depende da prescrição de sessões específicas de treinamento. Logo, é necessário um profundo conhecimento científico e prático do treinador para aplicar diferentes meios e métodos de treinamento, aliados aos princípios e a periodização do treinamento esportivo, visando adaptações gradativas e consistentes em todos os índices e capacidades citados acima.

Consumo Máximo de Oxigênio

O consumo máximo de oxigênio (VO2máx) representa a quantidade máxima de oxigênio (O2) que os pulmões conseguem captar para o sistema cardiovascular transportar até os músculos, para que estes possam utilizar no metabolismo aeróbio (Plowman; Smith, 2011).

Normalmente o VO2máx de um ciclista é identificado durante um teste de intensidade progressiva até a exaustão. Estes testes são realizados em laboratórios e durante o teste o ciclista respira através de um analisador de gases. Diversos índices são obtidos destes testes e são utilizados para controle e prescrição do treinamento, dentre eles a intensidade onde se atinge o VO2máx.

Embora seja importante conhecer a medida correta do VO2máx, na prática, precisa-se saber em qual intensidade se encontra o VO2máx e como podemos treiná-lo.

Uma forma prática de se identificar a intensidade (potência) próxima ao VO2máx em ciclistas, é realizar um contrarrelógio sustentando a máxima intensidade possível durante 5 minutos e utilizar esta potência como referência para se treinar o VO2máx. Por que um contrarrelógio de 5 minutos? A literatura científica mostra que ciclistas conseguem permanecer entre 4-5 minutos na potência do VO2máx (Costa et al., 2011).

Como desenvolver o VO2máx?

Umas das perguntas tradicionais na fisiologia do exercício e no treinamento esportivo é na relação volume-intensidade para se treinar o VO2máx:

Devemos acumular 40 minutos a 90% do VO2max ou 16 minutos a 100% do VO2máx numa sessão de treino?

Para desenvolver o VO2máx, precisamos permanecer na intensidade do VO2máx pelo maior tempo possível durante a parte específica da sessão de treino. Assim, é esperado que um ciclista consiga acumular 15 a 20 minutos até um pouco mais no VO2máx. No entanto, isso depende do nível de aptidão do atleta.

Um dos principais fatores que podem influenciar nas alterações do VO2máx após um programa de treinamento, é o nível de aptidão aeróbia inicial do atleta e o seu histórico de treinamento e vivencias esportivas.

Importante ressaltarmos que o VO2máx não é atingido rapidamente. Em um esforço na intensidade do VO2máx, demoramos de 1 a 3 minutos para que o VO2máx seja atingido. Além disso, é importante destacar que o aquecimento realizado previamente é um importante fator para acelerar o atingimento do VO2máx.

Um dos efeitos do aquecimento está associado com a cinética do VO2 durante o exercício. Certamente, o aquecimento permite com que os sistemas cardiorrespiratório, muscular e energético, trabalhem de forma mais sincrônica. Assim, o corpo consegue captar o O2 e utilizar de forma aeróbia mais rapidamente, poupando as reservas anaeróbias.

A realização do aquecimento é um fator importante!

Como melhorar a performance treinando na potência do VO2máx?

Para desenvolver o VO2máx, primeiramente, é importante permanecer o maior tempo possível no VO2máx. Para isso, existem diversas possibilidades de manipular a sessão de treino.

Os treinos intervalados, provavelmente, são a melhor forma de obter ganhos no VO2máx. Estes, devem ser realizados em intensidades entre 90-120% do VO2máx, ou ao utilizar treinamento intervalado em sprints, intensidades acima de 175% do VO2máx (Buchheit; Laursen, 2013).

O treinamento intervalado deve ser prescrito de maneira individualizada!

Método Δ50%

Uma das metodologias com objetivo de treinar próximo ao VO2máx do ciclista, sugere que o treinamento intervalado seja baseado entre a intensidade onde se atinge o Functional Threshold Power (FTP) e a potência no VO2máx (Pmáx), chamado de Δ50% (Billat et al., 2001).

Pmáx = 350 W
FTP = 285 W
Δ50% = 318 W

Interessantemente, Billat et al, (2000) comparou o tempo de permanência no VO2máx a partir de dois métodos de treinamento:

  • Treino no Δ50% (para ciclistas, representa 50% entre a intensidade onde se atinge o FTP e a potência no VO2máx);
  • Treino intervalado com estímulos de 30 s na intensidade do VO2máx por 30 s de pausa ativa na intensidade a 50% do VO2máx (30″:30″).

Os atletas que realizaram a sessão de treino no Δ50% permaneceram aproximadamente 8 min e 20 s na intensidade 50% entre FTP e VO2máx. No entanto, permaneceram apenas 2 min e 42 s no VO2máx. Entretanto, no outro modelo de treinamento, os atletas conseguiram realizar 19 estímulos consecutivos e permaneceram 7 min e 51 seg no VO2máx.

Treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) para ciclistas

O treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) ser realizado em intensidades entre o FTP e 120% do VO2máx. Como resultado, neste intervalo de intensidades, o HIIT normalmente objetiva o desenvolvimento da capacidade aeróbia (FTP) e a potência aeróbia máxima (VO2máx) dos ciclistas.

Seiler e colaboradores (2013), compararam os efeitos no VO2máx de 4 métodos de treinamento aplicados em 35 ciclistas recreacionais ao longo de 7 semanas:

  1. Treino contínuo de baixa a moderada intensidade;
  2. HIIT 4 x (16 min : 3 min pausa);
  3. 4 x (8 min : 2 min pausa);
  4. 4 x (4 min : 2 min pausa)

Todos os atletas foram orientados a realizar os esforços durante o HIIT na máxima intensidade sustentável (self-pace, isoeffort), isto é, não houve controle de intensidade. Os atletas realizaram 2 sessões de HIIT e de 2 a 3 sessões de treinos de baixa a moderada intensidade por semana. Enquanto que no modelo contínuo, os atletas realizaram de 4 a 6 treinos de baixa a moderada intensidade por semana.

Como resultado, os ciclistas que realizaram o treinamento no modelo 4 x (8′ esforço : 2′ pausa) permaneceram em média a 90% da FCmáx e tiveram maiores ganhos no VO2máx e na potência onde se atinge o VO2máx. Por outro lado, os ciclistas que realizaram o modelo 4 x (4′ esforço : 2′ pausa) permaneceram em média a 94% da FCmáx e também tiveram ganhos no VO2máx e na potência onde se atinge o VO2máx, porém em menor magnitude. Entretanto, o grupo 4 x (16′ esforço : 3′ pausa) permaneceram em média a 88% da FCmáx e apresentaram alterações mais discretas no VO2máx (Figura 2).

Figura 2 – Intervalo de confiança de 95% para mudança relativa no VO2pico (a), na potência no VO2pico (b), na potência na concentração de 4 mmol/L lactato sanguíneo (c), e tempo de exaustão (TE) na potência de 80% do VO2pico. Reproduzido de Seiler (2013).

As características do HIIT no modelo 4 x (8′ : 2′ pausa) estão próximas do método Δ50%. Semelhantemente, o modelo 4 x (4′ : 2′ pausa) está próximo do método Tlim no VO2máx. Por outro lado, o modelo 4 x (16′ : 3′ pausa) está mais associado ao desenvolvimento da capacidade aeróbia (FTP).

Treinamento intervalado de sprints (SIT) para ciclistas

A principal característica do método de treinamento sprint interval training (SIT) é que este deve ser realizado na máxima intensidade possível. Ou seja, devemos realizar o sprint ou a sequência de sprints imprimindo o máximo de potência possível todas as vezes.

Nos últimos anos o SIT ganhou bastante destaque, pois também pode promover ganhos no VO2máx e na potência do VO2máx em ciclistas. No SIT não se trata de treinar nas intensidades próximas ao VO2máx e nem do tempo de manutenção no VO2máx, mas, deve-se produzir potências médias na faixa entre 120% a 200% da potência do VO2máx.

Normalmente os esforços tem a duração de 30 s e devem ser realizados na potência máxima com pausas entre 2 e 4 min entre os sprints. No entanto, caso as pausas sejam mais curtas, a produção de potência será menor e a sessão de treino começará a ter características de HIIT.

Adaptações pelo treinamento intervalado

Os mecanismos fisiológicos que explicam as melhoras no VO2máx a partir do SIT ocorrem a nível periférico. Principalmente pelo desenvolvimento mitocondrial nas pernas do ciclista, ou seja, os músculos conseguem captar mais O2 e consequentemente melhorar aptidão aeróbia e a performance do ciclista em treinos e competições.

Psilander e colaboradores (2010), com o propósito de investigar marcadores de expressão de genes mitocondriais após duas sessões de treino, utilizaram os métodos SIT (no estudo utilizaram SIE) e treino intervalado (no estudo IE) em 10 ciclistas (VO2máx: 67,8 ± 1,1 ml/kg/min) praticantes de ciclismo de estrada e mountain bike, e que tinham um volume semanal de treinos/competições de 10-20 h/s.

Os ciclistas realizaram uma sessão de treino com sprints máximos 7 x (30 s : 4 min a 50 W), posteriormente, em um outro dia um treino intervalado a ~87% VO2máx 3 x (20 min : 4 min a 50 W).

Os resultados demonstraram que os marcadores da biogênese mitocondrial aumentaram significativamente após uma sessão de ambos os treinos, ou seja, após uma sessão de sprints máximos ou uma sessão de treinos intervalados próximos ou ligeiramente superior a intensidade do FTP.

Salientamos que os sprints máximos embora realizados em um curto período de tempo, induzem um aumento similar e até mesmo maior nos marcadores de biogênese mitocondrial quando comparado ao treinamento intervalado próximo ao FTP.

Dicas e Sugestões para o treinamento

Importante destacar que a ferramenta adequada para controlar os esforços no HIIT deve ser o medidor de potência, e não o monitor de FC cardíaca.

Lembramos ainda que qualquer sessão de treino de alta intensidade deve-se iniciar com um aquecimento adequado. Em resumo, varia entre 20 e 30 min, sendo predominantemente entre as zonas 1 e 3 de treinamento, com alguns momentos curtos nas zonas 4 à 7, e ainda, períodos com cadência acima de 100 RPM.

No SIT a intensidade deve ser máxima (all-out). No entanto, no HIIT longo a intensidade deve variar entre 90 e 120% do VO2máx, ou seja, a intensidade deve ser controlada.

Os períodos de recuperação curtos devem ser realizados de forma passiva, enquanto que, os períodos de recuperação maiores, de forma ativa, em intensidades por volta de 20-40% da potência do VO2máx.

Certamente tão importante quanto o aquecimento é o desaquecimento. Portanto, devemos realizar um desaquecimento de 20 a 40 min de duração nas zonas 1 e 2.

As recomendações para a saúde sugerem a realização de 4-6 sprints de 30 s com 4 min de pausa, com 2 a 3 sessões por semana ao longo de pelo menos 3 a 4 semanas consecutivas.

As sessões de treinos aqui sugeridas foram fundamentadas nos trabalhos científicos apresentados nas postagens anteriores sobre o tema. Contudo, o volume das sessões de treino devem ser manipuladas de acordo com o nível do atleta e o momento da periodização.

Sessões de HIIT CurtosSessões de HIIT LongosSessões de SIT
10-20 x (30″ : 30″)10-15 x (1′ : 2′)8-15 x (15″ : 4′)
10-13 x (30″ : 15″)10-12 x (1′ : 1′)8-12 x (15″ : 2′)
10-15 x (45″ : 45″)8-10 x (2′ : 2′)4-8 x (30″ : 2-4′)
5-8 x (3′ : 2′)
5-6 x (4-5′ : 2-3′)
4 x (8′ : 5′)

Sendo assim, os métodos de treinamento intervalado realizados tanto em intensidade máxima (sprints) quanto próximas ao FTP podem proporcionar adaptações periféricas que aumentam a biogênese mitocondrial, consequentemente, aumentar o VO2máx em ciclistas de nível bastante elevado, ao longo de sucessivas sessões de treino.

Entretanto, não deixe de procurar um profissional de educação física, capacitado e com experiência no ciclismo competitivo para orientar os treinamentos.

Referências

BILLAT, V. et al. Times to exhaustion at 100% of velocity at VO2max and modelling of the time-limit / velocity relationship in elite long-distance runners. European Journal of Applied Physiology and Occupational Physiology, v. 69, n. 3, p. 271–273, maio 1994.

Billat VL, Slawinski J, Bocquet V, Demarle A, Lafitte L, Chassaing P, Koralsztein JP. Intermittent runs at the velocity associated with maximal oxygen uptake enables subjects to remain at maximal oxygen uptake for a longer time than intense but submaximal runs. Eur J Appl Physiol. 2000 Feb;81(3):188-96. doi: 10.1007/s004210050029. PMID: 10638376.

Buchheit M.; Laursen PB. High-intensity interval training, solutions to the programming puzzle: Part I. Sports Medicine, 2013.

Billat, L.V. Interval Training for Performance: A Scientific and Empirical Practice. Sports Med 31, 13–31 (2001).

Costa VP, Matos DG, Pertence LC, Martins JAN, Lima JRP. Reproducibility of cycling time to exhaustion at VO2max in competitive cyclists. JEPonline, 2011.

MACINNIS, M. J.; GIBALA, M. J. Physiological adaptations to interval training and the role of exercise intensity. The Journal of Physiology, v. 595, n. 9, p. 2915–2930, 1 maio 2017.

Niklas, P., Li, W., Jens, W. et al. Mitochondrial gene expression in elite cyclists: effects of high-intensity interval exercise. Eur J Appl Physiol 110, 597–606 (2010). https://doi.org/10.1007/s00421-010-1544-1

Plowman, S.A.; Smith, D.L. Exercise physiology for health, fitness, and performance. 3rd ed. Lippincott Williams & Wilkins, 2011.

SEILER, S. et al. Adaptations to aerobic interval training: interactive effects of exercise intensity and total work duration. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 23, n. 1, p. 74–83, fev. 2013.